Um terremoto pode estar prestes a chacoalhar os alicerces da indústria de games. A Electronic Arts (EA), uma das maiores publicadoras do mundo, estaria em negociações avançadas para ser adquirida por um consórcio de investidores que inclui a empresa de private equity Silver Lake e, notavelmente, o Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita. O valor especulado, cerca de US$ 50 bilhões, não só tornaria a EA uma empresa de capital fechado como também representaria a maior “compra alavancada” (leveraged buyout) já registrada na história.
Embora ainda no campo dos rumores, a notícia, divulgada por veículos como o The Wall Street Journal, fez as ações da EA dispararem e acendeu um intenso debate sobre o futuro da dona de franquias como EA Sports FC, Madden, Apex Legends, Battlefield e The Sims. Mas para entender esta jogada, é preciso olhar para além dos números.
Quem são os compradores e o que eles querem?
O protagonista desta negociação é o PIF, o fundo soberano da Arábia Saudita, que nos últimos anos iniciou uma ofensiva multibilionária para se tornar uma potência no entretenimento global. Essa estratégia é executada no mundo dos games através do Savvy Games Group, um conglomerado presidido por Brian Ward, um veterano com passagens por gigantes como Activision, Microsoft e a própria EA.
O objetivo saudita é claro: diversificar sua economia para além do petróleo e usar o “soft power” dos games e esports para remodelar sua imagem internacional. O Savvy Games Group já detém participações expressivas em empresas como Nintendo (7.54%), Capcom (6%) e Embracer Group (8%), além de já possuir cerca de 10% da própria EA antes mesmo desta nova investida. A compra de uma gigante como a Electronic Arts seria a consolidação definitiva dessa estratégia, transformando o fundo em um dos players mais poderosos do ecossistema.
Por que a EA?
A Electronic Arts sempre foi uma das joias mais cobiçadas — e controversas — da indústria. Por um lado, possui um portfólio de propriedades intelectuais extremamente lucrativas e com alcance global massivo. Por outro, carrega uma reputação desgastada junto a parte da comunidade por suas práticas de monetização.
Há anos a empresa é alvo de especulações de aquisição, com nomes como Disney, Apple e Amazon circulando nos bastidores. A possibilidade de fechar seu capital sob o comando de novos donos poderia, em tese, dar à gestão da EA mais liberdade para tomar decisões de longo prazo, sem a pressão trimestral dos acionistas de Wall Street.
“Gameswashing” e as perguntas sem resposta
A potencial aquisição, no entanto, traz à tona um debate ético inevitável. Críticos apontam o movimento como mais um capítulo da estratégia de “sportswashing” – ou, neste caso, “gameswashing” — da Arábia Saudita. A tática consiste em usar investimentos massivos em entretenimento popular para desviar a atenção de questões problemáticas, como o histórico de violações de direitos humanos do país.
O que a influência de um fundo estatal significaria para a liberdade criativa de estúdios como a BioWare (Mass Effect, Dragon Age) e a Respawn (Apex Legends, Star Wars Jedi)? Sem falar nas maiores franquias de esporte do mundo, como EA FC e Madden? Franquias com temas diversos e representatividade poderiam sofrer algum tipo de censura ou alinhamento cultural?
No momento, tudo permanece no campo da especulação. Contudo, seja este acordo concretizado ou não, o recado já foi dado: o capital de nações soberanas está de olho na indústria de games, e as regras do jogo podem estar prestes a mudar para sempre. O mercado observa atentamente, pois a definição do “próximo chefão” da EA pode impactar o que todos nós iremos jogar nos próximos anos.









