No mundo corporativo, poucas coisas são tão sagradas quanto a data de divulgação de resultados financeiros. Quando uma empresa do tamanho da Ubisoft decide, minutos antes do evento, cancelar tudo e suspender a negociação de suas ações na bolsa, o mercado ouve um único som: o de uma sirene.
Foi exatamente o que aconteceu nesta semana. A Ubisoft, publisher de franquias colossais como Assassin’s Creed e Far Cry, chocou investidores ao adiar sua teleconferência de resultados do primeiro semestre fiscal (H1 2025-26) e, simultaneamente, solicitar a suspensão da negociação de suas ações e títulos na Euronext, a bolsa de valores de Paris.
A explicação oficial, claro, foi protocolar. Em um memorando interno aos funcionários, o CFO Frederick Duguet afirmou que a empresa estava “levando um tempo extra para finalizar o fechamento do semestre” e que a pausa nas negociações era para “limitar especulações desnecessárias e volatilidade do mercado”.
Não se engane: na prática, um movimento dessa magnitude faz exatamente o oposto. Ele grita ao mundo que algo grave está acontecendo.
O buraco é mais embaixo
A verdade é que a Ubisoft não está em posição de ter “imprevistos” contábeis. A empresa vive uma crise financeira e criativa que se arrasta há anos. O valor de suas ações é um banho de sangue: uma queda de mais de 95% nos últimos cinco anos.
Essa derrocada é resultado de uma tempestade perfeita, alimentada por apostas que falharam — sendo Skull and Bones o caso mais emblemático, um projeto preso em desenvolvimento por quase uma década que finalmente saiu e falhou em gerar qualquer tração. Isso se soma a decepções recentes, como o aguardado Star Wars Outlaws (2024), que teve uma recepção de crítica “medíocre” e não atingiu as expectativas de vendas, e a atrasos estratégicos, como o de Assassin’s Creed Shadows, o grande pilar da empresa para este ano, que teve seu impacto financeiro empurrado. Como pano de fundo, há o nítido desgaste da fórmula: o “mundo aberto da Ubisoft”, que já foi revolucionário, hoje é visto com cansaço por parte do público, exigindo uma reinvenção que a empresa tem tido dificuldade em entregar.
A empresa tem sido consistentemente deficitária, e o primeiro trimestre deste ano fiscal já veio abaixo das expectativas, com queda de 4% nas vendas. O balanço que foi adiado era crucial, pois esperava-se que mostrasse um crescimento significativo. O adiamento sugere que esses números, ou algo ainda maior, mudou drasticamente.
O que o “plano de financiamento” realmente significa
Quando uma empresa pública suspende suas ações citando “regulamentações legais” (como Duguet também mencionou internamente), isso geralmente significa que ela está em meio a uma negociação material que, se vazada, impactaria o valor das ações.
A especulação, portanto, não é desnecessária; ela é óbvia. A Ubisoft está prestes a ser vendida ou passará por uma reestruturação de capital massiva.
Os rumores de aquisição da Ubisoft não são novos. A Tencent, gigante chinesa, já é uma investidora significativa e, no ano passado, aumentou sua participação e entrou em um acordo para estabelecer a Vantage Studios, uma “casa criativa” que assumiria o controle das IPs principais: Assassin’s Creed, Far Cry e Rainbow Six.
Isso foi visto na época como uma manobra da família fundadora, os Guillemot, para tentar levantar capital sem perder o controle total da empresa. Rumores no início de 2025 indicavam que a Tencent não estava satisfeita em ser apenas uma investidora minoritária em um “spin-off”.
O movimento drástico desta semana pode indicar duas coisas. Primeiro, uma aquisição hostil ou total; outro “player” gigante pode ter feito uma proposta irrecusável para comprar a empresa inteira, sendo a especulação mais óbvia a Tencent, que já é a parceira mais próxima. Segundo, pode indicar uma reestruturação dolorosa, na qual a família Guillemot pode estar finalmente cedendo o controle das IPs principais em troca de um “plano de financiamento” que salve o que resta da empresa.
O próprio CFO da Ubisoft encorajou os funcionários a ouvirem a teleconferência (agora adiada), afirmando: “Sabemos que isso provavelmente levantará questões e impulsionará a cobertura da mídia”. É o reconhecimento de que o mercado está em alerta máximo.
O adiamento não é um simples atraso contábil. É o capítulo mais dramático da longa crise da Ubisoft e, muito provavelmente, o início do fim da independência de uma das maiores e mais importantes publishers da história dos games.













